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Tem um excelente livro na praça. Trata-se de Por que o Brasil cresce pouco? Desigualdade, democracia e baixo crescimento no país do futuro, (RJ, Editora Campus, 2014), do economista Marcos Mendes. Doutorado na Universidade de São Paulo, Mendes é consultor legislativo no Senado da República, tendo trabalhado também no Banco Central e no Tesouro Nacional.

A obra é um primor de bom senso lastreada numa fantástica massa de dados. É uma brilhante explicação de como a política e a economia se articulam. O argumento principal de Mendes é o seguinte: grande desigualdade somada à democracia leva ao baixo crescimento. Apesar de todo o oba-oba, de 1985 a 2012 a renda per capita brasileira cresceu à minúscula taxa média de 1,4% ao ano. Menos do que Colômbia, Argentina, Peru e Chile, para ficar apenas nos exemplos latino-americanos. O Brasil ficou menos desigual comparado a si mesmo no passado, mas ainda é um dos recordistas mundiais em desigualdade.

O que a maioria dos analistas econômicos denominam de “causas” do baixo crescimento, na verdade seriam “sintomas” de uma motivação mais profunda: a coexistência de expressiva desigualdade e democracia. O que torna o Brasil um caso único é que a desigualdade leva a uma capacidade dos segmentos sociais – pobres (dão votos), classe média (idem e ajudam a formar opinião) e elite (acesso ao poder decisório do Estado) – de ter grande “poder de fogo” na luta pelos seus interesses, o que geraria uma situação descrita como “um modelo de baixo crescimento com redistribuição dissipativa”.

Aquilo que, numa leitura mais superficial, poderia ser entendido como avanço, na verdade compromete as possibilidades de crescimento, posto que, na esmagadora maioria das vezes, aumenta o déficit público e inviabiliza investimentos estatais (principalmente na área de infraestrutura). Dificilmente dá para ser contra os programas sociais. Ocorre que os citados programas (associados ao Abono Salarial e Seguro-Desemprego), que representavam 17,5% das despesas primárias em 2002, passaram a significar 26% em 2012. Um crescimento de 183% acima da inflação! Para Mendes, “os gastos com transferências para os mais pobres, que ajudaram na redução da desigualdade, têm como efeito colateral forte pressão fiscal e distorções regulatórias e de preços relativos que prejudicam o crescimento econômico” (pg 171).

No que se refere à ampliada (e festejada) classe média, o autor destaca a falta de foco de alguns programas sociais e como, beneficiando segmentos específicos, eles prejudicam o conjunto da sociedade. O primeiro é o “Viaja Mais Melhor Idade”, no qual o Ministério do Turismo se articula com as operadoras para oferecer pacotes de viagens com descontos às pessoas idosas. Viajar é coisa de classe média, está longe de ser um “bem fundamental” (como educação, saúde, segurança) e, ao que consta, a iniciativa privada tem dado perfeitamente conta do recado. A pergunta é: por que diabos o Estado tem que se meter nisso?

A questão do ensino superior é o segundo exemplo. Os dados citados dão conta que, no Brasil, se gasta com cada aluno das universidades públicas 93% do PIB per capita do país, contra 18% que se gasta no ensino fundamental. Ora, os alunos universitários brasileiros estão longe de estar entre os segmentos mais pobres (1). Isso para não falar nos idosos, servidores públicos (a transição de 550 mil funcionários públicos contratados sem concurso para o Regime Jurídico Único – que prevê estabilidade e aposentadoria diferenciada – em 1990 foi uma aberração) e outros grupos do segmento médio da sociedade que se beneficiam de privilégios prejudicando o crescimento econômico.

Nesse processo de luta pela distribuição de renda, a elite faz sua parte com desenvoltura. Estão aí Eike Batista, JBS, Oi etc. Esse segmento conquistou todo um arsenal de vantagens, enumeradas pelo autor: Judiciário lento e caro, fragilidade das agências reguladoras, acesso privilegiado ao crédito público, fundos de pensão, proteção à indústria nacional e por aí vai.

Em outras palavras, a abertura que a democratização ofereceu criou um meio ambiente de rent-seeking que é disfuncional à busca do crescimento econômico. Talvez o único senão ao livro de Marcos Mendes seja a ideia, algo ingênua, de que o Brasil poderia entrar num ciclo virtuoso no qual a paulatina ampliação da classe média como que “desarmaria” o clima de perseguição redistributiva, levando a sociedade à conscientização de que um ambiente de negócios favorável seria bom para todo mundo. Aqui, o argumento esbarra no alicerce do livro: que a desigualdade mais democracia leva a irracionalidade econômica. Ficaremos menos desiguais ao ponto de criar uma cultura altruísta com crescimento pífio? Mas, pensando bem, depois de tantos dados, do desenvolvimento de raciocínios vigorosos, uma bela demonstração de domínio da literatura e de uma verdadeira cachoeira de realidade, talvez alguma ingenuidade não faça tão mal assim.

1-  A esse respeito, ver entrevista de Ricardo Paes de Barros em O Estado de S. Paulo, B4, 28 de novembro de 2015.

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