Máquina de gerar crises

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Máquina de gerar crises

Em recente debate na Fundação Espaço Democrático, o cientista político Rogério Schmitt descreveu as características do nosso sistema político. A forma de governo é republicana, o sistema de governo é presidencialista, a organização do Estado é federalista, o voto é proporcional e o sistema de partidos é multipartidário.

Visto assim, parece uma maravilha. Ocorre com a nossa República deixa a desejar. No Brasil os interesses públicos e privados se misturam e retroalimentam. Basta abrir os jornais para perceber de que forma, nas palavras do professor Oliveiros S. Ferreira, a coisa pública se confunde com a “cosa nostra”. Quem lê o livro de Vladimir Netto, sobre a Operação Lava Jato, tem bem uma ideia da dimensão do problema.

Nosso presidencialismo de coalizão é dantesco. No livro Diários da Presidência: 1995-96, de Fernando Henrique Cardoso, é descrito de forma detalhada como funciona, na prática, a atividade política em nosso país. As negociações presidenciais são diárias e a capacidade de pressão os partidos inesgotável. Trata-se de um arranjo talhado para não dar certo.

Nosso Federalismo é capenga. Quem faz mais, os municípios, fica com menos recursos. A União concentra as receitas e democratiza as tarefas. As três esferas não se articulam. Os recursos saem pelo ladrão. O sistema proporcional de votação, embora tenha lá seus méritos, é muito criticado (já teve casos de deputados eleitos com menos de mil votos, graças aos Tiriricas da vida) e nosso sistema partidário, com quase 30 partidos, é o mais fragmentado do mundo.

Não obstante, esse conjunto de partes defeituosas e desconexas produz resultados nada desprezíveis no plano das nossas práticas políticas. Temos eleições regulares e bem organizadas. A liberdade de expressão é inquestionável. Nossos meios de comunicação são de boa qualidade e existe diversidade para todos os gostos. A sociedade, em que pese a fragilidade dos partidos políticos, é muito organizada. Temos sindicatos, associações, Igrejas e movimentos sociais bastante ativos. A diversidade cultural é notável. Para completar, temos uma divisão de poderes que se vem mostrando bastante desenvolvida.

O que esse saudável conjunto de características democráticas gerou?  Descontrole fiscal, aparelhamento do Estado, falta de credibilidade nas instituições políticas, crise econômica, serviços públicos ineficientes e corrupção desenfreada. Sistema político desarrumado tem como conseqüência práticas democráticas saudáveis que desembocam numa crise política, econômica e social astronômica.

Agora, fala-se novamente nas reformas. A previdenciária é colocada como a mais urgente. As dificuldades serão imensas. As instituições defensoras de interesses coorporativos jogarão todo seu peso político e capacidade de mobilização para a manutenção do “status quo”. Os parlamentares ficarão sob o fogo cruzado de pressões e pensarão duas vezes para fazer o óbvio.

Parece “chover no molhado”, mas a conclusão se mostra inevitável: é impossível promover os avanços que o Brasil necessita com a estrutura política que temos. Um impeachment a cada 25 anos é uma média elevadíssima. Está mais do que provado que a conjugação de Estado gigantesco, partidos à profusão, presidencialismo de coalizão e cultura patrimonialista não dá certo. Ou partimos para um aperfeiçoamento de nossas instituições políticas ou continuaremos patinando e nos aperfeiçoando como uma máquina de gerar crises.

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