

A discussão sobre o impacto das chamadas fake news nas eleições e na formação da opinião pública é a “bola da vez” no debate político. Para alguns, elas podem criar situações capazes de levar ao comprometimento na imagem de determinado candidato. Um vídeo bem feito, criativo e que demonstre uma faceta pouco conhecida de um político poderia provocar alterações significativas nos seus índices de intenção de voto num curto espaço de tempo.
Mas o que são as fake news? O especialista em comunicação Eugênio Bucci, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, assim as definiu: “não são informações incorretas, mas notícias fraudulentas, forjadas com aparência jornalística confiável, para fraudar os processos decisórios das democracias. É diferente do erro jornalístico. Fake news é uma notícia forjada para enganar o público”.
O escritor americano Mark Twain escreveu, certa vez, que “uma mentira pode dar a volta ao mundo, enquanto a verdade ainda calça os seus sapatos”. Faz pouco tempo, pesquisadores do MIT analisaram cerca de 126 mil notícias que circularam no twitter entre 2006 e 2017. Essas notícias foram tuitadas por 3 milhões de pessoas e retuitadas mais de 4,5 milhões de vezes. A descoberta desse estudo foi de que a chance de uma notícia falsa ser propagada nas redes é 70% maior do que a das notícias verdadeiras. Mais: as notícias falsas sobre política se espalham três vezes mais rápido do que as notícias falsas sobre outros assuntos.
Por que isso ocorre? As fake news são mais criativas e retratam o novo, o desconhecido, o inusitado. Elas lidam com a surpresa e o sentimento de rejeição. Quando alguém posta uma foto do Lulinha ao lado de uma Ferrari banhada a ouro (https://www.youtube.com/watch?v=hJ9R482DaKw), que seria de propriedade do filho do ex-presidente, no Uruguai, é evidente que isso chama a atenção. Em sociedades polarizadas e mal-humoradas, como a nossa nos dias de hoje, as fake news que atacam ou fazem gozação geram rápida e ampla repercussão.
Além disso, a tecnologia de imagem e de som é capaz de criar montagem de fotos e vídeos aparentemente mais verdadeiras do que a própria verdade. É possível, hoje em dia, produzir peças com efeitos especiais a um custo baixíssimo. É o que se chama de “deep fake news”. O papa Francisco pode aparecer dando apoio a algum candidato a deputado ou o Mbappé fazer embaixadas dizendo que é simpático às teses de Guilherme Boulos.
É possível classificar seis níveis de intensidade das fake news, tendo em vista a gravidade de suas consequências. O primeiro nível é humorístico. São brincadeiras, piadas, imitações. O exemplo é um vídeo do ex-presidente Lula, no qual um imitador falava sobre o Brasil que o presidente supostamente queria, obviamente com muita cachaça. O segundo são de mentiras mais ou menos ingênuas. Durante a Copa do Mundo, circulou um post afirmando que o Felippe Coutinho havia se contundido no treino e ficaria fora dos gramados por meses.
O terceiro nível são falsificações para valorizar a imagem de determinado personagem. Não faz muito tempo, circulou nas redes a informação de que as vendas da Pepsi Cola superaram as da Coca Cola depois que Jair Bolsonaro apareceu tomando Pepsi num vídeo. Haja criatividade. O quarto nível é o das mentiras que podem trazer consequências desagradáveis. A revista Veja, por exemplo, trouxe matéria de capa sobre as fake news que se espalham na área da medicina. Usuários das redes podem se sentir estimulados a ingerir substâncias sugeridas ao invés de procurar ajuda profissional.
O quinto nível é o das fake news utilizadas para denegrir imagem. Durante a eleição de Donald Trump, espalhou-se nos Estados Unidos que Barak Obama não era americano. Outro, pior ainda, apresentava provas cabais e inquestionáveis de que a mulher do então presidente, Michelle Obama, simplesmente era homem! (https://www.youtube.com/watch?v=tDcmetRhkow). O sexto e mais perigoso nível é o que pode levar à morte. Em 2014, a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de apenas 33 anos, foi espancada violentamente na rua e morreu depois de ter sido espalhada uma mentira nas redes sociais, segundo a qual ela sequestrava crianças para utilizá-las em rituais de magia negra.
Como se vê, a taxonomia é extensa e provavelmente não cobri todos os aspectos possíveis. É claro que sempre houve mentiras, na política e fora dela. O que diferencia o momento atual é a incomensurável capacidade de difusão das informações, que se espalham para milhões de pessoas em poucas horas, às vezes minutos. Mas essas informações não se conduzem, como no passado, unicamente do emissor ativo para os receptores passivos. Hoje, cada receptor é também um emissor, um produtor de conteúdo. Isso também cria um monumental espaço para a desconstrução da mentira. Além disso, os meios de comunicação convencionais atuam como balizadores das informações. As fakes news têm, por isso e cada vez mais, uma alta possibilidade de serem denunciadas.
Além disso, é preciso olhar os dados empíricos. Segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia, realizada em 2016 com 15.500 entrevistas no Brasil todo, a televisão ainda é, de longe, a maior formadora de opinião de nossa sociedade. Nada menos do que 77% dos entrevistados afirmam assistir TV todos os dias. No caso da internet, são 50% os que afirmam usá-la diariamente. Mais do que isso: 54% confiam sempre ou quase sempre naquilo que veem na televisão; apenas 14% dizem acreditar nas informações disseminadas nas redes sociais. Ou seja, conjugando os dados de uso x credibilidade, é possível afirmar que a TV “faz a cabeça” de quase 42% dos brasileiros, as redes sociais, de míseros 7%. Parece que colocar as fakes news como uma séria ameaça a democracia é também uma fake new.