Batendo panelas Le Creuset

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Batendo panelas Le Creuset

Desde a eleição de 1989, todos os presidentes eleitos tiveram mais votos no segmento de mais baixa renda, ou seja, entre aqueles eleitores que ganham até dois salários mínimos, que representam 44% do eleitorado. Collor, o caçador de Marajás, fazia questão de falar para os descamisados. Fernando Henrique Cardoso foi o homem que estabilizou a moeda e incorporou vastos contingentes de brasileiros humildes ao consumo. Lula e Dilma sempre foram os candidatos dos pobres, com forte inserção nas pequenas cidades do interior do Nordeste. Coube a Bolsonaro quebrar esse paradigma: se a eleição de 2018 fosse realizada apenas entre os eleitores que ganham menos de dois mínimos, Fernando Haddad, do PT, estaria ocupando o Palácio do Planalto.

A crise do coronavírus fez com que esse quadro se alterasse. Os panelaços que ouvimos de manifestantes em bairros de classe média-alta em São Paulo e Rio de Janeiro refletem em parte essa mudança, pois a avaliação negativa do presidente Jair Bolsonaro cresceu desproporcionalmente nessa parcela da opinião pública. O eleitor típico dele em 2018 (analisando as maiores taxas de intenção de voto em cada segmento) era homem, inserido no mercado de trabalho, de idade intermediária, escolaridade superior, que ganhava mais de 10 salários mínimos e habitava as maiores cidades do Sul e do Sudeste.

Em pesquisa telefônica realizada entre os dias 1 e 3 de abril de 2020, o Datafolha avaliou o desempenho do presidente Bolsonaro e do Ministério da Saúde na crise do coronavírus, comparando com a pesquisa realizada em meados de março. Os dados apontam que a avaliação presidencial positiva teve uma oscilação pequena para baixo (de 35% para 33%, ou seja, dentro da margem de erro) enquanto o desempenho do ministério cresceu 21 pontos percentuais, saltando de 55% para 76%.

 

O mesmo Datafolha realizou uma pesquisa em 4 e 5 de julho de 2019 e, entre outras coisas, levantou a avaliação do presidente Jair Bolsonaro, que então comemorava seus seis meses de governo. O presidente tinha 33% de avaliações ótima e boa, a mesma porcentagem que exibiu na pesquisa do começo de abril de 2020. A porcentagem de regular era 31% em julho de 2019 e caiu para 25% em abril; os que responderam ruim e péssimo, que eram 33% no primeiro levantamento, aumentaram para 39% no segundo. Os dados com a comparação entre os resultados nas varáveis educacional e de renda estão na tabela abaixo. Estão destacadas em vermelho as variações mais elevadas.

 

Como se percebe, as variações mais expressivas ficaram entre os eleitores de ensino superior e aqueles que ganham mais de 10 salários mínimos, exatamente aqueles públicos nos quais Bolsonaro era forte quando se elegeu e quando completou seis meses de mandato. Para se ter uma ideia, se medirmos o gradiente – diferença de avaliações ótima+boa menos ruim+péssima, desprezando os regulares – Bolsonaro passa de +1 para -22 pontos percentuais entre os mais escolarizados e de +20 para -14 pontos entre os eleitores que ganham mais de 10 mínimos. São cerca de 3,5 milhões de eleitores do ensino superior e 1,5 milhão de eleitores de renda mais alta que deixaram de avaliar positivamente o presidente. Exatamente aquela parte da elite que votou em Bolsonaro para o PT não ganhar, mora em prédios bacanas e tem como se posicionar confortavelmente para bater com estridência seus talheres Wolf nas panelas Le Creuset quando está com raiva.

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