Os engenheiros do caos

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Os engenheiros do caos

O livro “Os engenheiros do caos – Como as fake news, as teorias da conspiração e os algorítimos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições” (São Paulo, Vestígio, 2020, 190 pgs), de Giuliano Da Empoli, explica em larga medida o que acontece nas eleições contemporâneas. As campanhas políticas tradicionais tinham como eixo o embate de ideias, programas, projetos. As de hoje são guerras entre softwares, exploram o ódio com o uso generalizado das fake news.

No velho sistema, analisa Da Empoli, o líder político podia enviar mensagens segmentadas para seus eleitores, mas essas mensagens eram veiculadas publicamente. Ou seja, todos ficam sabendo o que foi direcionado a um pequeno grupo. “Quem quisesse criar um consenso majoritário – e não só de nicho – tinha que se dirigir ao eleitor médio com mensagens moderadas, em torno das quais poderia convergir o maior número possível de pessoas” (pg 156), explica o autor. Essa estratégia tinha uma tendência centrípeta que favorecia aqueles que conseguissem ocupar o centro da arena política.

A dinâmica do mundo alimentado pelos engenheiros do caos funciona de maneira diferente. Aqui, o que interessa é definir os temas que interessam para cada um (ou pequeno grupo) e, a partir daí, fazer uma campanha individualizada. Ao contrário das campanhas convencionais, o todo não sabe o que está sendo postado para as partes. Cria-se o consenso social após a formação de vários consensos em grupos que não interagem entre si. Os estrategistas modernos de Donald Trump testaram 5,9 milhões de mensagens diferentes direcionadas aos eleitores, contra 66 mil de Hillary Clinton. Neste caso, a política é centrífuga, foge do centro para se concentrar nos extremos.

Um desses “engenheiros” é o americano Arthur Filkelstein, que desde muito jovem militava na área dura do Partido Republicano. Desde o início dos anos 1980 ele usava o método do microtargeting, com as técnicas disponíveis à época: “análises demográficas sofisticadas e sondagens de boca de urna entre os eleitores das primárias, que vão permitir identificar os diversos grupos para os quais deveriam ser enviadas mensagens segmentadas” (pg 121), através dos hoje rudimentares instrumentos, tais como cartas e telemarketing.

Filkenstein também é mestre naquilo que se convencionou chamar de campanha negativa, que visa a destruir a reputação dos adversários. Em 1996, o consultor desembarca em Israel num contexto social explosivo após o assassinato de Yitzhak Rabin por um judeu fanático. Rabin é sucedido pelo respeitadíssimo Shimon Peres, que era tido como franco favorito nas eleições seguintes.

Finkenstein entra em cena. Primeiro, aconselha seu candidato, Benjamin Netanyahu, considerado um extremista inexperiente e pouco confiável, a manter seus cabelos grisalhos para passar uma imagem mais equilibrada e respeitável. Depois, “pinta” Peres “como traidor da pátria, impregnado das habituais ilusões piedosas que caracterizam os liberais do mundo inteiro” (pg 124). Por outro lado, o slogan de seu candidato é simples, mas definitivo: “Netanyahu é bom para os judeus”. Não se leva em conta que 20% dos israelenses são árabes, pois eles não farão falta. A estratégia dá resultado e Netanyahu é eleito.

O livro é pródigo em exemplos que mostram como a estratégia bem elaborada associada à sofisticação tecnológica pode acarretar resultados fantásticos numa campanha eleitoral. A argumentação racional perde espaço para a polarização e a polêmica. Ou como diz o especialista Jaron Lanier, citado por Da Empoli, “para manter os usuários conectados, uma empresa de redes sociais deve, sobretudo, fazer as coisas de maneira que eles se enervem, sintam-se em perigo ou tenham medo” (pg. 79). Em outras palavras, a disseminação nas redes de assuntos que provocam raiva em parcelas de eleitores vale muito do que o mais elaborado discurso sobre o que é melhor e mais saudável para a sociedade como um todo.

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