

O pai do menino era um humilde trabalhador rural, não sabia ler e mal assinava o nome. A mãe morreu quando ele tinha apenas 9 anos. O pai resolveu procurar uma outra esposa, deixando o filho e a irmã Sarah, de 12 anos, vivendo sozinhos numa cabana sem piso e sem porta. Eles ouviam o rugido das panteras e assistiam os ursos dilacerando os porcos. Quando a nova madrasta retornou com o pai, sete meses depois, encontrou as crianças vivendo como animais, “selvagens, vestindo farrapos e sujas” (p. 20). Quando cresceu, caminhava dez quilômetros para conseguir um livro de gramática. Autodidata, não teve orientação em seus estudos. O menino se chamava Abraham Lincoln.
Outro menino nasceu em uma família de muitas posses, morava perto da Madison Avenue, em Nova York, e podia acessar centenas de livros. Teve tudo: academia particular, treinador, tutores em taxidermia (era um naturalista), estudos em Harvard, viagens ao exterior. Mas era “uma criança nervosa, adoentada e frágil cuja infância foi moldada por terríveis ataques de asma” (pg 42). Seu pai, importantíssimo na sua formação, o segurava no colo e saia a cavalo pela noite na crença que os ventos noturnos arejassem seus pulmões. Foi um grande golpe quando o pai faleceu, aos 46 anos. Já adulto, viu a mãe e a esposa morrerem na mesma noite. O nome? Theodore Roosevelt.
O terceiro menino nasceu mais privilegiado ainda. Filho único, morava às margens do rio Hudson. Estudou em Harvard e na Faculdade de Direito de Columbia. “Era o único foco na vida dos pais, sua vocação conjunta, seu herdeiro e o centro de um lugar que era tanto uma propriedade quanto um estado mental e de onde todos os dissabores e discórdias pareciam ter sido banidos” (pg. 66). Quando tinha apenas oito anos, o pai, protetor, companheiro e amigo, foi vítima de um ataque cardíaco que o deixou praticamente inválido na década seguinte. Já adulto, foi acometido de poliomielite. Quem era? Franklin Delano Roosevelt.
O quarto menino, aos dez anos, trabalhava nas horas livres como engraxate e já gostava de política. Tinha uma relação muito próxima com o pai (legislador estadual) e o acompanhava nas campanhas eleitorais. A vida não era fácil, pois a família morava numa pequena cabana, ao lado de um riacho lamacento, sem eletricidade e água encanada. Estimulado pela mãe, que tinha curso superior e vivia às turras com o marido, o menino “aprendeu o alfabeto antes dos dois anos, a ler e soletrar antes dos quatro e, aos três, era capaz de soletrar longas passagens de Longfellow e Tennyson” (pg 99). A mãe, generosa ao ensinar, cobrava um alto preço, ignorando o menino quando ele não respondia à altura. Estamos falando de Lyndon Johnson.
Conhecer a trajetória de líderes americanos, na fascinante teia que conjuga dramas, perdas, talentos, carisma, trabalho, decepções, sorte, acaso (Theodore Rooselvet e Lyndon Johnson, ambos eleitos vice-presidentes, assumiram a presidência após os assassinatos dos titulares). Essa conjugação de fatores forjou suas personalidades e os preparou para fazer frente às dificuldades gigantescas, é o que nos oferece o ótimo livro da professora de Harvard Doris Kearns Goodwin, “Liderança em tempos de crise” (Rio de Janeiro; Editora Record; 2020; 558 pgs). Cada um foi líder, construiu sua ascensão e chegou à presidência da República dos Estados Unidos a seu modo. E enfrentou crises que deixaram marcas indeléveis na história de seu país.
Segundo Goodwin, “na época em que estavam quase completando 30 anos, os quatro homens já sabiam que eram líderes” (pg 127) e que nasceram para o serviço público. E foi com essa vocação que Lincoln emancipou os escravos mantendo a unidade da nação. Theodore conseguiu acabar com a greve do carvão, que colocava em risco o aquecimento – portanto, a sobrevivência – da população do Nordeste do país e a própria coesão social. Franklin foi obrigado a fazer frente às consequências da Crise de 29 e comandou os EUA na II Guerra Mundial. Lyndon Johnson teve a sabedoria de usar todos os seus conhecimentos acumulados sobre o Poder Legislativo para continuar os projetos de Kennedy. Quando discursou pela primeira vez, como presidente, na Câmara dos Deputados, poucos dias depois do assassinato, começou dizendo, com grande sensibilidade: “Eu alegremente daria tudo que tenho para não estar aqui hoje”.
Lincoln, Theodore, Franklin e Johnson foram líderes que conduziram os destinos dos EUA em momentos cruciais da história. Em meio a ameaças de secessão, greves, ‘crash’ de 1929, guerra e tragédias. Personalidades, origens, formação, caminhos e estilos diferentes. O livro disseca o modo de pensar e agir desses gigantes americanos, resgatando aspectos importantes de suas qualidades de liderança e mostrando como e por que as decisões corretas foram tomadas em tempos onde granjeavam na sociedade angústia, incertezas e desesperança. Vale a leitura.