

Tirando os cerca de 30% de brasileiros que aprovam sua administração, segundo pesquisas mais recentes, o presidente Jair Bolsonaro está isolado. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, em matéria do dia 31 último: “Em apoio a Mandetta, Moro e Guedes se opõem a Bolsonaro – isolamento político do presidente aumenta com o aval do Legislativo e Judiciário a ministro da Saúde”. A matéria tem poucos fatos e muitas ilações, mas reflete uma sensação generalizada e crescente, principalmente entre os formadores de opinião.
O cientista político Steven Levistsky, coautor do livro “Como as democracias morrem”, argumenta¹ que a crise gerada pelo coronavírus isolou os líderes populistas. Eles se elegem normalmente atacando o “establishment”, que engloba não apenas os políticos tradicionais (“a velha política”), mas também as elites intelectuais, científicas, artísticas etc. Quando necessitam de ajuda técnica, preferem o aconselhamento de pessoas do seu entorno.
Outro ponto lembrado por Levitsky é que em situações inesperadas como aquela em que nos encontramos é preciso um esforço de união e cooperação nacional. É necessária uma coordenação efetiva entre o Congresso, prefeitos, governadores, comunidade científica, meios de comunicação. Bolsonaro é um presidente que faz o contrário: estimula a discórdia. Já criou caso com a Câmara, o Senado, o Supremo, a Rede Globo, jornalistas em geral, governadores, Universidades, artistas, a China etc. Isso dificulta, para não dizer inviabiliza, o estabelecimento de um pacto para superar a crise.
O Bolsonaro do pronunciamento do dia 24 de março se encaixou como uma luva nos pontos descritos acima. Disse que a sociedade não podia ficar histérica, que os meios de comunicação estavam exagerando, criticou os prefeitos e governadores, que teriam adotado medidas exageradas, falou que não tinha sentido fechar as escolas e disse que o coronavírus causaria em si próprio uma “gripezinha ou resfriadozinho” pelo seu histórico de atleta. Colocou a economia à frente da proteção à vida. Ou seja, uma lástima.
No segundo pronunciamento, em 31 de março, Bolsonaro se mostrou mais comedido, com um discurso à altura da crise. Não foi irônico, não atacou ninguém. Reconheceu a pandemia como “o maior desafio de nossa geração” e disse que as medidas protetivas devem ser adotadas com racionalidade. Demonstrou uma preocupação equilibrada entre economia e proteção à vida. Disse ter determinado o aumento a capacidade do SUS, com a aquisição de mais medicamentos e melhora da infraestrutura. E falou da ação social do governo, com o pagamento do benefício monetário à população mais pobre. Ao final, fez o contrário do que faria um populista típico descrito por Levistky: falou da importância da cooperação e união de todos.
No dia 2 de abril, entretanto, em entrevista à rádio Jovem Pan, Bolsonaro voltou a ser Bolsonaro. Atacou a Folha de S. Paulo, chamou a atenção de “alguns governadores e alguns prefeitos” que estariam tomando medidas exageradas, disse que tem atritos com o ministro Mandetta, chamou à colação o governador João Doria, dizendo que seu raciocino é ginasial, e outras “bolsonarices”.
É a história da rã e do escorpião: havia um incêndio na floresta e a rã se preparava para atravessar o rio. O escorpião pediu uma carona nas costas da rã. A rã disse que não, pois levaria uma ferroada. O escorpião argumentou que, se fizesse isso durante a travessia do rio, ambos morreriam. A rã concordou em levá-lo e, no meio do caminho, veio a ferroada. A rã falou: “Mas agora vamos morrer os dois”. E o escorpião disse: “É verdade, mas não posso contrariar minha natureza”. O Brasil escolheu Bolsonaro sabendo quem ele era. E ele é muito mais o personagem do discurso do dia 24 de março e a entrevista da Jovem Pan do que o pronunciamento do dia 31.
¹Entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo no dia 29 de março de 2020