A raposa e o porco-espinho

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A raposa e o porco-espinho

É mais ou menos famosa a história de um pesquisador que reuniu um grande grupo de especialistas – acadêmicos, economistas, analistas reconhecidos etc – para emitir milhares de prognósticos sobre economia, bolsas de valores, eleições, guerras e outros assuntos importantes. Depois de um tempo, o pesquisador descobriu que a média de precisão dos vaticínios se aproximou do sucesso de um chimpanzé atirando dardos.

O pesquisador em questão é Philip Tetlock, professor de psicologia e ciência política da Universidade da Pensilvânia. Juntamente com o jornalista Dan Gardner, Tetlock é autor do excelente livro “Superprevisões – a arte e a ciência de antecipar o futuro” (Rio de Janeiro, Objetiva, 2016, 320 páginas). O tema é fascinante. Vale a pena encarar a leitura.

Há vários tipos de previsão e nem sempre o objetivo é antever o futuro de modo correto. Às vezes, elas são usadas para promover ideologias e causas: se você não ajudar a preservar a Amazônia, o mundo vai ficar sem oxigênio. Outras previsões são, nas palavras dos autores, “vestidas para impressionar”: a economia vai crescer 4,5 % na próxima década. Outras são para confortar: sigamos assim e o futuro será tranquilo. Tetlock estava atrás de previsões de qualidade e que tivessem uma linguagem clara, que permitisse aferir o seu grau de acerto. Nada de expressões como “pode ser”, ” é possível”, “é razoável supor” e coisas do gênero.

A primeira fase das pesquisas de Tetlock – e reunião de especialistas que tentaram prever o futuro – mostrou que os supostos grandes previsores eram um fiasco. A segunda teve um resultado fantástico. Foi criado o Good Judment Project (GJP), a partir do recrutamento de voluntários para participar da previsão do futuro. No total, mais de 20 mil leigos curiosos dispostos começaram a responder sobre questões espinhosas, tais como a evolução do preço do ouro ou dos protestos mundo afora. Uma agência governamental do serviço de inteligência americano, chamada IARPA (Atividade de Projetos de Pesquisa Avançada em Inteligência é a tradução), patrocinou o projeto. Iniciou-se um torneio de previsão constituído por cinco grupos liderados por pesquisadores de ponta. Um deles era uma seleção do GJP. Ao longo de cinco anos, a agência apresentou cerca de 500 perguntas sobre assuntos mundiais.

Em dois anos, a GJP suplantou com folga os grupos competidores. O que os autores mostram no livro é de que maneira essas pessoas “comuns” raciocinam para atingir um nível de acerto muito superior àquele de consagrados especialistas. O que faz Bill Flack, um dos integrantes da GJP, que trabalhou no Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, no Arizona, e não conseguiu fazer doutorado em matemática, pois admite que não tinhas condições, acertar mais previsões do que o badaladíssimo Tom Friedman?

Pois é: existe um método para acertar previsões. Para os autores, “a antevisão não é um dom misterioso concedido ao nascer. É o produto de modos particulares de pensar, colher informações, atualizar convicções” (pág. 25). Um dos segredos é conhecer o modelo dual de pensamento, proposto por Daniel Kahneman: o Sistema 1, o reino da percepção automática, por impulso; e o Sistema 2, do pensamento consciente, da reflexão. O ser humano normal tende a raciocinar através do Sistema 1, tirando conclusões precipitadas. Conter o ímpeto do Sistema 1 é um excelente começo para acertar as previsões.

Outro ponto interessante é a distinção entre a raposa e o porco-espinho. É a questão do “como” pensar. Um grupo tendia a organizar seu pensamento em torno de grandes Ideias (apocalipse ambiental, socialistas, fundamentalistas do livre mercado etc.), e sempre apostava em previsões mais assertivas; eram cheios de certezas. É o raciocínio porco-espinho. O segundo grupo era de especialistas mais pragmáticos que se valiam de diversas ferramentas analíticas. Falavam mais de probabilidade e quando viam que estavam no caminho errado, mudavam de opinião. Em termos de previsão, as raposas levam muita vantagem em relação ao porco-espinho.

No apêndice do livro, os autores propõem os dez mandamentos para aspirantes a superprevisores. Três merecem menção. Primeiro, decomponha problemas aparentemente intratáveis em subproblemas tratáveis (técnica da “fermização”). Segundo, encontre o equilíbrio justo entre as visões de dentro e de fora. Terceira: procure o choque de forças causais operando em cada problema. Está interessado em saber como raciocinar de maneira correta? Esse livro é um excelente começo.

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