

É comum, no debate sobre o desenvolvimento político brasileiro, apontar que nossas instituições são frágeis. O equilíbrio entre os poderes simplesmente não existiria. O Legislativo seria um mero ator secundário, quando não insignificante, sempre um joguete nas mãos de um Executivo poderoso e exuberante. A Justiça, lenta, contraditória e desequilibrada, privilegiaria os ricos em detrimento dos menos favorecidos, negando-se a sinalizar, minimamente, o que é certo ou errado de acordo com a Lei.
O desenvolvimento de nossa cidadania é considerado atípico, quase uma estrovenga. Ao invés da sequência histórica classicamente descrita por T. A. Marshall – primeiro direitos civis, depois políticos e finalmente sociais -, o Brasil apresentou um caminho diferente. Como bem nota José Murilo de Carvalho (Cidadania no Brasil – um longo caminho), entre nós os direitos sociais antecederam os outros. Mais que conquistados por uma sociedade mobilizada e consciente da sua força, foram um “presente” coletivo do poderoso de ocasião.
Do ponto de vista econômico, somos considerados um país exótico, uma curiosidade produtiva. Exportamos músicas (é certo que a qualidade já foi melhor), aviões com altíssima tecnologia e temos uma agro-indústria altamente eficiente, que provavelmente alimentará o mundo. Mas importamos compulsivamente brinquedos infantis que acendem luzes o tempo todo e nos falta infra-estrutura básica para escoar o básico.
O interessante é que esse conjunto (talvez fosse melhor dizer “mistura”) de características pouco convencionais não criou algo parecido com uma Nação manquitola. Ao contrário, se considerarmos as últimas três décadas, o Brasil tem dado mostras extraordinárias de vigor institucional, bom senso político e capacidade de superação das dificuldades econômicas. Tornou-se um lugar comum dizer que aqueles que não aprendem com a história estão condenados a repeti-la. Mas quem só seleciona as tragédias do passado para vislumbrar o que pode acontecer no futuro também está condenado a uma estéril reprodução analítica travestida de sabedoria.
Talvez não seja demais lembrar da morte de Tancredo Neves, da ameaça da hiperinflação de 1989, do dantesco anúncio do Plano Collor, do sequestro da poupança, do impeachment do presidente da República, da complicadíssima reconstrução do tecido político depois do impedimento presidencial, do Plano Real, do episódio do “mensalão” e por aí vai. Quantos países enfrentaram uma sucessão parecida de acontecimentos dessa magnitude com tanto sucesso?
A superação dessas dificuldades, muitas certamente mais graves que a atual, só foi possível em virtude de algo parecido com um “natural” comedimento e entrosamento institucional. Na transição para a democracia no Brasil (a “transição transada”, nas palavras de Guilhermo O´Donnell), após a morte de Tancredo, prevaleceram o Legislativo, a área política e os partidos. O mesmo aconteceu no impeachment de Collor e seus desdobramentos.
No Plano Real, o Executivo tomou as rédeas e construiu uma reforma monetária que, naquele momento, parecia impossível. Depois de tantas tentativas mirabolantes – quem não se lembra do congelamento de preços, dos “fiscais do Sarney”, da caça ao boi no pasto e do “Plano Verão”? -, o clima era de descrença generalizada. No entanto, deu certo. E, mais recentemente, o Poder Judiciário, através do Supremo Tribunal Federal, protagonizou o julgamento do “mensalão”, que representou uma verdadeira revolução na maneira de se perceber a Justiça em nosso país. Ninguém acreditava que os réus seriam considerados culpados. Foram. Se isso acontecesse, ninguém esperava que seriam presos. Foram.
Hoje, Executivo, Legislativo e Judiciário estão em hiperatividade e numa espécie de busca de “pole position” na corrida da resolução da crise. O Executivo, pelo metabolismo basal. O Legislativo, excitadíssimo na votação da reforma política – por si só, tarefa para alguns mandatos -, reforma fiscal, redução da maioridade penal, reajuste para servidores, aposentadorias etc. E o Judiciário, desvendando um escândalo digno de Hitchcock e revelando “quem matou Odete Roitman” todos os dias.
Instituições fortes, atuantes e equilibradas são o sonho de qualquer país democrático. Instituições hiperativas medindo forças, nem tanto. Nesta toada, correremos o risco de ter um efeito social perverso: a corrida para resolver aspectos da crise pode acarretar uma crise dentro da crise. O que, convenhamos, não interessa a ninguém.