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Inteligência artificial e os 87%

Jeopardy é um jogo de conhecimentos gerais e estratégia conhecidíssimo no mundo inteiro. Em 2010, o computador Watson, da IBM, venceu a disputa derrotando alguns ex-campeões humanos. Atualmente, o Watson está sendo preparado para um trabalho que não tem muito a ver com games divertidos. Ele vai diagnosticar doenças.

Os especialistas defendem que o Watson teria, potencialmente, muitas vantagens sobre os médicos de carne e osso. No limite, ele poderia armazenar em seus bancos de dados informações sobre todas as doenças conhecidas, históricos da evolução de cada tratamento, todos os estudos publicados sobre cada disfunção orgânica, os remédios mais eficientes etc.

O supercomputador também poderá armazenar os genomas do enfermo e o histórico médico de seus familiares. Outra vantagem é que o Watson pode ser desligado se faltar energia, mas nunca ficará doente, cansado ou viajará de férias para o Caribe. Também não precisaremos ficar na sala de espera lendo a revista Veja de oito meses atrás.

Um historiador israelense brilhante, de apenas 40 anos, Yuval Noah Harari, é o autor do empolgante livro Homo Deus – Uma breve história do amanhã. Harari imagina, num futuro próximo, o dilema de uma moça que está paquerando dois rapazes – João e Paulo – e está em dúvida sobre qual escolher.

Pergunta, então, ao Google, o que ele acha. A resposta vem rápida e precisa: afinal, o gigante da informação sabe tudo sobre a romântica indecisa. Tem todos os seus e-mails, conhece o que ela buscou ao longo do tempo e tem ciência de todos seus interesses. Também tem dados sobre os encontros que ela teve com um e com outro – e pode verificar os batimentos do coração (alguns aplicativos já fazem isso), a taxa de glicose no sangue e a pressão sanguínea. Aí, o Google determina: eu a aconselho a ficar com João, com 87% de chance de ficar mais satisfeita com ele no longo prazo.

Mas a coisa não para aí. O Google ainda se diverte com a moça. Sei, “diz” ele, que você não está satisfeita com minha resposta, pois preza muito a aparência e o Paulo é mais bonito que o João. Seus algorítmos bioquímicos dão à aparência um peso de 35% na classificação de seus parceiros potenciais, mas minhas informações mostram que a aparência têm um impacto de apenas 14% nas relações românticas de longo prazo. Por isso, é melhor ficar com o João.

Uma situação como essa tem implicações nada desprezíveis no plano da filosofia política. Se minhas escolhas poderão ser determinadas por algoritmos e um punhado de informações selecionadas, que eu mesmo passei para o Google porque quis (e porque o Google criou em mim a necessidade de precisar dele), então não existiria mais o individualismo, pelo menos não da maneira que o conhecemos. Logo, o liberalismo estará comprometido. É essa uma das teses de Harari.

E as eleições? Irão se tornar obsoletas. Pois se o Google é capaz de indicar o marido ideal, é possível imaginar que escolherá com muito mais facilidade o candidato ideal. E também muito melhor que o eleitor. Isso porque uma massa impressionante de dados armazenados e um sem número de algoritmos mapearão a minha opinião ao longo de quatro anos de mandato, apontarão minha irritabilidade com os candidatos a partir de dados médicos e me livrarão das mensagens apelativas dos marqueteiros políticos. Mais razão e menos emoção no voto.

O que mais impressiona é que Harari não escreve um livro de ficção. Muitos das dezenas de exemplos que cita são resultados do uso de tecnologias que já estão sendo aplicadas. O autor conta, por exemplo, que em 2004, os professores Frank Levy, do MIT, e Richard Murname, de Harvard, publicaram um estudo minucioso listando as profissões que ficariam mais fragilizadas tendo em vista o desenvolvimento da automação. Eles achavam, à época, dificílimo substituir motoristas de caminhão. Apenas dez anos depois, o Google e a Tesla já fazem isso.

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