

A eleição de 2018 não apresentou apenas o “mito” Bolsonaro. Duas outras questões analíticas se tornaram “mitológicas” por falta de conexão com os fatos que, supostamente, apoiariam os argumentos do raciocínio efetuado. A primeira delas: foi uma eleição das redes sociais e a televisão teve pouca influência. A segunda: houve uma grande renovação na Câmara Federal, compatível com a insatisfação do eleitorado.
A ideia de que nas eleições de 2018 imperaram as redes sociais não se sustenta em embasamento empírico. A pesquisa Ibope nacional sobre a influência das mídias, realizada em 2016, apontou que 37% dos brasileiros ainda não usavam redes sociais e, entre os que usavam, apenas 14% acreditavam no que viam. Estudos realizados nos Estados Unidos apontam a ausência de “evidências robustas sobre o efeito das fake news no comportamento político.”¹ Outro estudo americano apontou que o número de pessoas alcançadas pelas fakes news que são efetivamente afetadas é da ordem de centésimos de um ponto percentual.
Pouco antes da realização do segundo turno das eleições, o Ibope divulgou uma pesquisa sobre os efeitos de campanhas negativas realizadas pelo aplicativo WhatsApp, que é uma rede privada de compartilhamento de dificílimo monitoramento. A pergunta era se o entrevistado havia recebido conteúdos com críticas ou ataques a algum candidato à presidência por WhatsApp. Um contingente de 73% afirmou que não recebeu. Entre os que responderam afirmativamente, 18% receberam mensagens contra Bolsonaro e o mesmo número contra Haddad. No conjunto dos eleitores que receberam mensagens com ataques, 24% afirmaram que elas ajudaram na decisão do voto (o que não significa dizer que tenha acarretado “mudança” de opinião) e 75% disseram que não ajudaram. Como se vê, não se trata de uma influência tão poderosa e decisiva assim.
Outra questão é sobre a força da televisão, que estaria diminuindo. A pesquisa de mídia do Ibope, citada acima, dá conta de que 77% dos brasileiros assistem TV todos os dias e 54% acreditam no que estão vendo. Outro ponto é que, nas eleições desse ano, as pesquisas realizadas desde janeiro apontaram uma estabilidade irritante nas perguntas de intenção de voto. Meses a fio, com as redes sociais a todo vapor, os candidatos subiam ou caiam quase sempre dentro da margem de erro do levantamento. A partir do início do programa eleitoral gratuito na TV, em 31 de agosto, a movimentação dos índices foi extraordinária. Bolsonaro subiu 16 pontos percentuais e Haddad, 18. A intenção de voto de Marina Silva caiu de 12% para 3% e os indecisos diminuíram de 29% para 7%. Os dados estão na tabela abaixo.
É bem verdade que o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, tinha 42% do tempo na TV e não decolou. Aqui cabem duas ponderações. Num contexto de impaciência, rejeição aos políticos, com um eleitorado polarizado e querendo respostas rápidas para seus problemas, um discurso de centro feito por um político tradicional é muito pouco empolgante. A sociedade simplesmente, não queria o que Alckmin representava. Ou seja, não adianta ter só muito tempo na TV, é preciso ter o que falar na TV. A segunda é que a campanha tucana apostou na desconstrução de Bolsonaro e isso deu resultado até o episódio da facada. A rejeição ao capitão do Exército aumentou significativamente em poucos dias. E por causa da TV. Com Bolsonaro na UTI, não fazia mais sentido atacá-lo.
Outro argumento utilizado é de que Bolsonaro não tinha tempo na televisão e chegou na frente no primeiro turno. Verdade. Mas o que aconteceria se ele tivesse três minutos de tempo, por exemplo? Venceria no primeiro round? Outro ponto é que, com a tentativa de assassinato, Bolsonaro passou a ter uma exposição monumental na TV, desproporcionalmente maior do que a dos seus adversários. Além disso, estava vitimizado, numa luta pela vida. A televisão, portanto, foi importantíssima nessa etapa da campanha. Isso para não falar nas entrevistas da Rede Globo, nas quais o capitão do Exército se saiu muito bem.
O outro mito é de que tivemos uma enorme renovação do Congresso Nacional, algo em torno de 50%. Teria sido o maior índice desde 1998 e confirmado a expectativa de analistas que teriam previsto uma enxurrada de novatos eleitos. Mais uma vez, é preciso colocar as coisas em seus devidos lugares.
O primeiro ponto é deixar claro o que se entende por renovação. Renovação seria a diferença entre o número de deputados (513) e o número de deputados que foram reeleitos. Essa equação, entretanto, como bem explicou o cientista político Rogério Schmitt², tem que levar em conta aqueles casos em que os deputados desistem de concorrer: em 2018, 21,1% dos atuais parlamentares que tinham mandato não concorreram, ou seja, 108 parlamentares.
Existe, portanto, aquilo que poderíamos chamar de “renovação automática”. Dos 513 deputados somente 405 disputaram a reeleição. Destes, 251 foram reeleitos, ou seja, 62% o que, convenhamos, num momento em que o eleitorado estava furioso com a classe política e sedento por mudanças é um número muito expressivo. Outro ponto: como mostrou Bruno Carazza³ em artigo na Folha de S. Paulo, entre os que assumirão seus mandatos em 2019 existe um conjunto parlamentares que estão muito longe de representar uma “renovação”. Contam-se entre as “novidades” 68 deputados estaduais ou distritais, 28 vereadores, 3 vice-governadores, 4 vice-prefeitos e três senadores (Aécio Neves, Gleisi Hoffmann e Lídice da Mata). Segundo Carazza, isso quer dizer que apenas 117 dos futuros deputados federais podem ser considerados “novatos”. A renovação de fato teria sido de 22,8%. Análises ao gosto do freguês são mais atraentes e fáceis de entender, mas muitas vezes, ao invés de explicar os fatos, acabam por se desentendendo com eles.
1- MELO, Marcus André; “O falso sobre o fake”; Folha de S. Paulo, 22 de outubro de 2018; pg A2.
2- SCHMITT, Rogério; “O mito da renovação parlamentar” disponível em http://psd.org.br/artigo/rogerio-schmitt-o-mito-da-renovacao-parlamentar/
3- CARAZZA, Bruno, “Renovação versus conservadorismo”; Folha de S. Paulo; 22 de outubro de 2018; pg A6.