

Em 2018, o Brasil dormiu esquerda e acordou direita. É claro que foi uma eleição atípica, a começar pela inédita situação na qual o governo não apresentou um candidato de peso na disputa. Apesar de ter feito uma boa administração numa conjuntura terrível, Michel Temer era muito mal avaliado nas pesquisas de opinião e não foi capaz de indicar quem representasse a continuidade. Outro aspecto inusitado foi que o favorito na disputa, Lula, estava atrás das grades, com todo simbolismo que isso significou.
As eleições de 2018 subverteram três “verdades” bem assentadas na nossa tradição analítica sobre a possibilidade de sucesso de uma candidatura presidencial. Qualquer candidato, para ser competitivo, deveria ter condições de angariar uma quantidade considerável de recursos financeiros, fazer acordos para colecionar um tempo robusto no horário de propaganda gratuito e ter “palanques” nos Estados, ou seja, contar com lideranças expressivas, de preferência governadores, para repercutir as mensagens da campanha.
“A vitória de Bolsonaro em 2018 mostrou que as três condições deixaram de ser necessárias para ser eleito presidente do Brasil” Esta é a constatação que o cientista político Jairo Nicolau faz logo no primeiro capítulo do livro “O Brasil dobrou à direita – Uma radiografia da eleição de Bolsonaro em 2018” (Rio de Janeiro, Zahar, 2020, 142 pgs). A partir daí, o leitor passará a entender melhor a segmentação, a evolução e as características do eleitorado brasileiro. E entrará em contato com uma enorme quantidade de dados e informações cuidadosamente reunidos e tratados.
Informa Nicolau que a soma da receita de campanha de todos os candidatos à presidência da República nessa eleição foi de R$ 221 milhões. Bolsonaro teve uma receita de apenas R$ 4,4 milhões, 2% do total. Na divisão do espaço no Horário Eleitoral Gratuito de rádio e TV, a situação era pior ainda: o então candidato do PSL tinha apenas 1,1% do tempo de propaganda. Até Vera Lúcia, candidata do folclórico PSTU, tinha mais tempo que ele. Palanque nos Estados, não tinha nenhum, até porque o PSL era quase inexistente. Ao contrário, alguns candidatos se aproveitaram da popularidade de Bolsonaro e fizeram do candidato a presidente um “palanque” para si mesmos. Foram os casos de João Dória (SP), Wilson Witzel (RJ) e Romeu Zema (MG).
A já ampla literatura sobre sociologia eleitoral desde sempre apontou a escolaridade como um fator fundamental na explicação da decisão de voto. Quanto a essa variável, o eleitorado brasileiro possui duas características marcantes. Primeira: é muito alta a quantidade de eleitores de baixa escolaridade. Segunda: o número de eleitores com esse perfil vem declinando consideravelmente. Para se ter uma ideia, quando Lula foi eleito pela primeira vez, em 2002, 63% do eleitorado não havia terminado o ensino fundamental. Há dois anos, esse contingente era de 39%.
O padrão de escolaridade influencia na percepção dos problemas do País. Quando são agregados os eleitores em três níveis de escolaridade – fundamental, médio e superior –, percebe-se claramente essa influência. Ao se perguntar qual o maior problema do Brasil, o desemprego e a saúde aparecem de forma mais expressiva entre os menos escolarizados. Os menos e os mais escolarizados empatam quando se trata de citar a segurança, ficando os eleitores que têm o ensino médio um pouco abaixo. A corrupção é considerada muito mais problemática entre os eleitores de maior escolaridade. No segmento de menor escolaridade e que se preocupa mais com a corrupção, Bolsonaro teve a melhor performance no primeiro turno, chegando a 60% dos votos.
Quanto ao gênero, registre-se que o percentual de eleitoras vem crescendo: em 2018, elas representavam 52,5%. Outra informação relevante é de que as mulheres são a maioria nos estratos mais altos de escolaridade (médio completo, superior incompleto e superior completo). Bolsonaro teve uma votação muito maior no eleitorado masculino, onde obteve mais de 10 pontos percentuais acima do eleitorado feminino. Os presidentes eleitos anteriormente tiveram votação equilibrada entre homens e mulheres.
O texto ainda leva em conta a idade, religião (Bolsonaro teve 70% dos votos dos evangélicos), clivagem petismo e antipetismo, regiões e tamanho dos municípios, traçando um panorama bastante completo da eleição em termos quantitativos. Nicolau ainda arrisca alguns comentários sobre questões referentes ao WhatsApp e às fake news, tomando o cuidado para indicar possibilidades ao invés de tirar conclusões. Também admite ter deixado de lado questões de ordem qualitativa. Assim, o livro diz muito sobre “como” os eleitores dobraram à direita e quase nada sobre “porque” fizeram isso. De qualquer maneira, trata-se de um trabalho bastante cuidadoso, com numerosos “insights” interessantes e muita informação, que nos ajuda a entender um pouco melhor o fenômeno eleitoral que Bolsonaro representou e provoca reflexão sobre o que nos espera em 2022.