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O marketing político moderno

Não faz muito tempo, acreditava-se que a opinião pública era formada na base do “the one step flow theory”. Segundo essa concepção, os meios de comunicação davam as informações e opiniões, que eram absorvidas mais ou menos passivamente pelos receptores. Uma ideia mais sofisticada é a da comunicação em duas etapas: “the two step flow theory”, proposta por Paul Lazarsfeld e outros. Aqui, os chamados formadores de opinião adquirem um papel fundamental, pois são esses processadores e transmissores secundários de informações que passam a interpretar e intermediar os fatos que serão levados à grande massa. O caminho passa a ser indireto: meios de comunicação-formadores de opinião-público.

O processo de comunicação para formar opinião e mudar comportamentos é altamente complexo. No passado não muito distante, a estratégia era falar a mesma mensagem para todo mundo. Numa campanha eleitoral, por exemplo, os programas do nobre horário eleitoral político mostravam as mesmas cenas e mensagens para homens, mulheres, jovens, adultos, idosos, pessoas com baixa escolaridade, escolaridade média e curso superior, renda até dois salários mínimos (SM) , de 2 a 5 SM e mais de 5 SM, nordestinos, nortistas, sulistas, eleitores do Sudeste e Centro-Oeste, católicos, protestantes, evangélicos etc. Colocavam-se todos no mesmo barco. Já que a mensagem deveria ser única, a orientação era emiti-las para as parcelas mais amplas do eleitorado, que são os eleitores com renda e escolaridade mais baixas, no caso brasileiro.

Com a introdução de comerciais de campanha no decorrer da programação normal das emissoras de TV, os estrategistas puderam direcionar um pouco as mensagens, de acordo com grupos específicos de eleitores. Isso foi possível porque existem dados de audiência que definem o perfil dos telespectadores que estão assistindo determinado programa. Tem programa direcionado às mulheres, jogos de futebol têm audiência maciça de homens, “Malhação” é para o público jovem, programas de entrevistas são assistidos por eleitores de escolaridade mais alta. Do lado dos receptores, Grupos de Discussão com eleitores/as selecionados/as – por exemplo mulheres, mães e que trabalham fora – levantavam as preocupações e anseios básicos do segmento. Dessa forma, os comerciais eram pensados e elaborados para atingir esse determinado padrão de eleitores, tornando a comunicação mais efetiva. Era “taylor made” ao invés de “prêt à porter”.

Hoje, a comunicação política ou comercial está muito mais sofisticada, sendo capaz, através do uso das tecnologias, de identificar as preferências e comportamentos de “um” eleitor determinado ou grupos específicos (os chamados “clusters”), modelando as mensagens de acordo com a necessidade e preferência do indivíduo desses segmentos. Essa possibilidade faz a comunicação tradicional parecer coisa de criança, pois muitas vezes o levantamento de nossas preferências nas redes sociais e no Google é capaz de não só identificar nosso perfil, mas até de nos lembrar daquilo que gostamos!

O livro “Manipulados – como a Cambridge Analytica e o Facebook invadiram a privacidade de milhões e botaram a democracia em xeque” (Rio de Janeiro, Editora Harper Collins, 2020), de autoria da americana Brittany Kaiser, mostra bem a capacidade de convencimento proporcionada por esse modelo de comunicação. Os bancos de dados montados pela empresa Cambridge Analytica (CA) continham “de dois a cinco mil pontos de dados individuais (informações pessoais)” de simplesmente todos os indivíduos com mais de 18 anos nos EUA. Isso significava cerca de 240 milhões de pessoas. É a passagem da agência de publicidade para a empresa de mudança (ou reforço) de comportamento, a transformação da publicidade tradicional (a abordagem que ia de cima para baixo ou “top-down”) para a abordagem que pode ser definida como “cognitiva” (ou “bottom-up”).

Com essa reunião monstruosa de informações, a CA adotou o modelo Top Five por meio da estratégia OCEAN, passando a analisar a personalidade de grupos de eleitores. Combinando pontos de dados, os indivíduos foram agrupados em “aberto a novas experiências” (O, de “openess”), metódico (C, de “conscientiousness”), “extrovertido” (E, de “extraversion”), “empático” (A, de “agreableness”) e “neurótico” (N, de “neuroticism”). E a coisa não parava por aí: a segmentação vai se tornando mais precisa com novas associações. Algumas pessoas são ao mesmo tempo “abertas” e “empáticas”, outras são “neuróticas” e “extrovertidas”. Ao todo havia 32 grupos principais.

Para ficar num só exemplo: uma eleitora selecionada no grupo “extrovertida e não empática” necessita de uma mensagem que fale da sua capacidade de reivindicar seus direitos, pois ela gosta de ser ouvida e se sentir “empoderada”. Para esse tipo de eleitora, a CA enviava um post com uma mulher empunhando uma arma com uma expressão agressiva no rosto. O texto dizia: “Não questione meu direito de ter uma arma e eu não questionarei sua estupidez em não ter uma”. Bingo! É como se ninguém necessitasse me convencer de nada: só me “lembram” daquilo sobre o qual já estou convencido e me mandam uma mensagem que se encaixa na minha personalidade. É genial. E diabólico.

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