

Dois dos maiores atentados contra a democracia brasileira foram investidas autoritárias contra o Congresso: Getúlio Vargas, em 1937, e o AI-5, de dezembro de 1968. Um Congresso Nacional funcionando normalmente é garantia de estabilidade democrática. Às vezes, o Legislativo é depositário das esperanças na Nação, como no caso da votação para as eleições diretas, o impeachment de Collor e de Dilma.
Paradoxalmente, o mesmo Congresso Nacional é visto com profunda desconfiança pela sociedade brasileira. Na visão de muitos, lá se acotovelam políticos preocupados apenas com seus interesses pessoais, que deixam de lado as preocupações mais gerais e permanentes da Nação. Também é um espaço da improdutividade, já que a tramitação de Leis é demorada e, tradicionalmente, a pauta seguida é ditada pelo Executivo.
O pêndulo parece oscilar de acordo com uma lógica clara. Quando a sociedade teme recaídas autoritárias e alguma iniciativa coloca em risco a instituição, o Congresso é supervalorizado e precisa ser preservado a qualquer custo. Quando o País necessita de reformas e/ou tem um presidente personalista, o Congresso passa a atrapalhar e, em algumas situações, é visto até como dispensável.
As manifestações convocadas para dia 15 de março de 2020 configuram-se numa estratégia que o cientista político americano Samuel Kernell descreveu como “going public“¹. Num contexto de dificuldade em encaminhar votações e no qual a economia não deslancha, a iniciativa de convocar manifestações populares com o objetivo de confrontar o Congresso parece ser uma alternativa interessante para distrair o público.
Existem ao menos três maneiras de analisar e tirar ilações do episódio. A primeira, é o “onde já se viu!”. Nesse tipo de interpretação, o presidente Bolsonaro estaria por trás da convocação, incitando a sociedade para ir contra o Congresso ao compartilhar um vídeo com um grupo de amigos. No fundo, seria mais um passo rumo ao autoritarismo, após a ocupação de cargos chave do Planalto por militares de alta patente. A democracia está em risco!
A segunda reação, contrária à primeira, se resume ao “é isso mesmo!”. Para esse grupo, Bolsonaro está certo. Ele foi eleito pelo povo e tem mais é que jogar a parcela da população que o apóia contra os congressistas que o desafiam. Deputados e senadores atrasam a realização das reformas que o Brasil anseia e necessita. Querem, vejam que absurdo, direcionar recursos para seus redutos eleitorais através do orçamento impositivo, limitando a ação de um governo democraticamente eleito. Vamos colocá-los em seu devido lugar.
Chega mais perto da verdade quem tem uma visão intermediária. Uma convocação para apoiar Bolsonaro é legítima e democrática, já uma convocação para desancar o Congresso é lastimável e flerta com o autoritarismo. Na prática, os poderes Executivo e Legislativo estão duelando por mais espaço político (leia-se, dinheiro): o Congresso quer o orçamento impositivo, o presidente não quer. Um se defende fazendo leis, o outro conclama o povo para as ruas. Afinal de contas, são R$ 30 bilhões em jogo, estúpido!