

A deflagração da Operação Lava Jato, a divulgação das gravações de Lula e seus familiares, a tramitação do pedido de impeachment etc. levou o Brasil ao fenômeno do “hiperanalismo”. Articulistas, sociólogos, jornalistas, cientistas políticos, economistas e advogados são chamados a cada meia hora para expressarem suas opiniões sobre algum fato novo da conjuntura política, sobre o qual, obviamente, não tiveram tempo para pensar. Aos poucos, é possível classificar os vários tipos de analistas.
Existe o estilo “revoltado catastrofista”, que passa descompostura nos personagens envolvidos, na pretensão tosca de que tripudiar sobre eles traga alguma sofisticação analítica. Nada está bom, nada está certo. O Brasil precisa zerar sua história e começar de novo. Quem adota esta postura, está mais interessado em ganhar o leitor-telespectador-ouvinte pela via da identificação emocional do que, mais propriamente, promover avanços na compreensão do processo.
Tem também o “aristotélico irônico irritado”. Trata-se de “analismo” mais refinado, mais culto e que se desenvolve com algum senso de humor, o que o torna bastante agradável. O alvo das interpretações é achar as contradições que se estabelecem na ação dos atores políticos, sempre com uma profunda má vontade a um dos lados da contenda. Ao mesmo tempo que aponta as fragilidades do “inimigo”, o analista faz intervenções auto laudatórias, que coloca o emissor acima de quem dele possa discordar, desencorajando-o ao atrevimento da contestação.
Outro estilo é o “judiciário minudente”. É aquele que reduz tudo a micro tecnicidades jurídicas. Não importa o fato, por mais espetaculoso que tenha sido. O foco é sempre em alguma questiúncula legal. Não se vê a consequência nem a conformação do crime, mas os aspectos formais que cercam a descoberta. Para o “judiciário minudente”, é como a vida se passasse nos livros de Direito, sem conexão com homens e mulheres reais, a sociedade, a mídia e a política. Compêndios valem muito mais do que a opinião pública.
Outro tipo é o “bolchevique paranoico”. Esse enxerga jogadas da direita e tramoias do mercado em tudo o que acontece. A sacrossanta esquerda, que após longa busca teórica descobriu o que é melhor para o povo e a melhor maneira de fazer aquilo que é melhor para o povo, representa a força, a luz e a verdade. Questões como disciplina fiscal, previsibilidade, confiança dos agentes econômicos, cumprimento de contratos são preocupações tipicamente burguesas, que em nada melhorariam a vida nacional. O fulcro dos problemas não estaria no Estado que não funciona, mas na desigualdade gerada pelo nosso capitalismo exploratório e excludente.
Finalmente, temos o analista “nossos netos ganharão”. Aqui, procura-se apreender as questões mais estruturais da crise. O bordão dessa vertente analítica é que as instituições estão funcionando e que a democracia brasileira está sendo capaz, sem grandes convulsões, de processar os anseios da sociedade e de seus representantes pela via do respeito às leis. Circunscrita a uma estrutura legal, a ação legítima dos atores políticos, população inclusive, indica que chegaremos a bom termo. Pode estar havendo uma judicialização da política aqui, um ou outro excesso acolá. Mas, no geral, as coisas vão bem.
Convenhamos que interpretar esse turbilhão de acontecimentos não é tarefa das mais fáceis. No dia em que escrevo este artigo, a capa de um grande jornal paulista noticia: “Andrade Gutierrez aponta propina de R$ 150 milhões para PT e PMDB”, “Janot agora quer que o STF anule posse de Lula na Casa Civil”, “Câmara recorre para não abrir impeachment de Temer” e “Youssef pagou US$ 5 milhões a Cunha, afirma doleiro”. Ora, essas notícias, em condições normais de temperatura e pressão, abalariam qualquer República do planeta.
Vivemos uma contradição: a sociedade tem profunda desconfiança dos políticos e os partidos estão em baixa. Mas a solução da crise será conduzida pelos políticos e pelos partidos. Precisamos de uma trégua para que se estabeleça um pacto mínimo, para iniciar a votação de ajustes que necessariamente passarão pelo Congresso. Com essas palavras, incluo-me na categoria “contraditório otimista”.