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Participação política em tempos modernos

A participação política é fundamental para avaliar a qualidade dos sistemas políticos democráticos. Uma democracia que cumpre todos seus requisitos formais – eleições livres e regulares, eleitorado amplo, partidos com mecanismos de decisão internos, liberdade de opinião, meios de comunicação fortes, Justiça confiável, respeito à Constituição etc – estará longe de ser plena se for contaminada pelo mais absoluto desinteresse dos cidadãos.

Se tomarmos como modelo de interpretação a conhecida classificação de Robert Dahal(1), é possível verificar os estágios de um regime político, estabelecendo como parâmetros a participação social nas eleições e o número de candidatos que disputam os cargos de representação. São quatro as combinações possíveis, cada uma delas refletindo um determinado estágio de amadurecimento da democracia.

1. Hegemonias fechadas: Baixa participação social nas eleições e poucos candidatos em disputa política;

2. Hegemonias inclusivas: Grande participação social nas eleições, entretanto poucos candidatos em disputa política;

3. Oligarquias competitivas: Baixa participação social nas eleições, porém grande variedade de candidatos em disputa política;

4. Sociedades poliárquicas: Ampla participação social e vasta gama de candidatos nas eleições.

O Brasil passa com folga nestes dois critérios poliárquicos. Como aponta Bolívar Lamounier(2), “o eleitorado brasileiro cresceu de forma vertiginosa”, paradoxalmente, durante o regime militar, período de cerceamento das liberdades. Os eleitores representavam um contingente de 22% dos brasileiros em 1960, chegam a 49% em 1982 e atingem 70% da população no final da década passada. Em 2014, estavam aptos a votar mais de 140 milhões de cidadãos. Do outro lado da linha, apresentaram-se aos eleitores, segundo o TSE, exatos 473.849 candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereadores nas eleições municipais de 2016.

Se tomarmos como base o critério de Dahal, o Brasil pode ser enquadrado como uma sociedade poliárquica – e de excelente qualidade. A rigor, só não votam os eleitores menores de 16 anos que não se registram. Com 32 partidos políticos – alguns são agremiações de verdade, mas a maioria não passa de siglas –, só não é candidato quem não quer. Considerado o sistema partidário como um todo, a oferta de vagas é bastante generosa.

Nas sociedades modernas, é possível afirmar que a participação que está longe de se resumir aos momentos eleitorais. A vida social ficou mais rica, as interações aumentaram, o mundo está mais integrado. Há diversas maneiras de participar: atuando em partidos, frequentando associações, manifestando-se nas ruas, dando opinião em eventos políticos ou salas de aula e, cada vez mais, sendo ativo(a) nas redes sociais, para citar apenas algumas possibilidades.

O fato é que toda participação envolve custos. Quem sai de casa para se manifestar contra ou a favor de alguma tese, é orientado por uma avaliação racional que pondera custos e benefícios. A atitude envolve riscos físicos, gastos de deslocamento, interrupção de convívio com a família e outros aspectos negativos. E cidadão também pondera quais as chances de sucesso de sua empreitada. Desde os estudos seminais de Philip Converse (3), entende-se que indivíduos com status socioeconômico mais elevado participam mais, seja porque têm laços sociais mais diversificados seja porque os custos da participação são proporcionalmente menores. A maioria esmagadora dos manifestantes de junho de 2013, na avenida Paulista, em São Paulo, por exemplo, tinha educação superior e renda mais elevada(4).

Com as redes sociais, surge uma nova forma de “participação-light”, que podemos chamar de ”envolvimento político bem-humorado”, que diverte, cria laços de afinidade através de gostos comuns e tem custo de participação baixíssimo. A comunicação é horizontal, qualquer um é o emissor ou difusor da mensagem. Esse envolvimento materializa-se no monumental volume de curtidas e compartilhamento de “memes”, charges e filmetes engraçados, que ridicularizam e esculhambam administradores públicos, partidos, políticos, Tribunais etc. O efeito político prático dessa avalanche de troca de informações é de difícil mensuração. Mas não deixa de ser uma forma nova de participar da vida política, onde quer que o cidadão esteja, desde que tenha um smartphone nas mãos, um pouquinho de tempo e qualquer ideia na cabeça.

Outra vertente é a participação indignada. Aqui impera o mau humor, o azedume, a desesperança. Também está muito presente nas redes sociais e consiste basicamente em comentários que sintetizam a situação política como algo abominável e credita à classe política o status de um conjunto de seres que necessitam arder nas profundezas do inferno. Não conheço pesquisas sobre o assunto, mas é possível arriscar a hipótese de que quanto mais indignado e ativo na indignação, mais o cidadão que esposa este estilo se sente muito participativo e até democrático. Vamos ver onde isso vai dar.

1- Dahal, Robert; Poliarquia: participação e oposição. Tradução de Celso Mauro Paciornik. São Paulo: Ed. USP, 1997 (o original em inglês é de 1971).

2- Lamounier, Bolívar; Liberais e antiliberais: a luta ideológica do nosso tempo; São Paulo; Companhia das Letras; 2016.

3- Converse, Philip, “The nature of Belief Systems in Mass Publics. In Apter, David (org). Ideology and Discontent. Nova York; The Free Press, 1964.

4- Figueiredo, Rubens (org); Junho de 2013: a sociedade enfrenta o Estado; São Paulo; Summus Editorial; 2014.

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