Pesquisas, encontros e desencontros

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Pesquisas, encontros e desencontros

Um dos pontos mais criticados pelos especialistas que estudam as pesquisas de opinião pública é o que se convencionou chamar de “imposição da problemática”. O termo foi criado pelo sociólogo francês Pierre Bordieu. O conceito é simples: basicamente, é a capacidade que as pesquisas de opinião têm de colocar questionamentos sobre os quais as próprias pessoas simplesmente não se questionam – e, muitas vezes, nem imaginam o que seja.

Neste sentido, muitas respostas que vemos quantificadas nos resultados dos levantamentos devem ser analisadas com certo cuidado. Não faria muito sentido, por exemplo, perguntar aos entrevistados algo que signifique um grau de conhecimento muito acentuado sobre determinado assunto. Um grande instituto, certa vez, perguntou a uma amostra de brasileiros: “Você é a favor ou contra os juros negativos?” Dá para imaginar a qualidade das respostas…

Não por acaso, perguntas sobre temas que não pertencem ao campo de reflexão do cidadão comum (autoposicionamento ideológico, para citar uma) tendem a dar resultados que fogem do senso comum. Neste tipo de pergunta, que envolve um grau mais elevado de informação (e formação), quanto menos escolarizado o entrevistado maior o número de não respostas (não sabe ou não opina). Já quando se trata de questões de fundo ético – “Devemos ser severos com as crianças?”, no exemplo de Bordieu, as não respostas entre os menos escolarizados diminuem bastante. Todos acham que “sabem” responder aquilo que acham certo ou errado.

De tempos em tempos, surge a ideia de se realizar um plebiscito sobre questões atinentes à reforma política. Plebiscito nada mais é do que uma amplíssima pesquisa de opinião sem margem de erro. Imagina só um eleitor que mora numa pequena cidade do nordeste, que mal terminou o primário, tendo que decidir se o melhor para o Brasil é voto distrital misto ou sistema de lista aberta uninominal. Isso não é plebiscito, é loteria!

A coisa piora um pouco quando os “surveys” se metem a perguntar ao entrevistado sobre expectativas. Entre os pesquisadores, chamamos, de forma bem humorada, esse tipo de questionamento como “pergunta John Lennon” – o entrevistado fica na base do “Imagine all the people”…

Na sequência de pesquisas que são divulgadas nos meios de comunicação, encontramos frequentemente “questionamentos John Lennon”: pergunta-se ao pobre entrevistado se a inflação irá aumentar, ficar como está ou diminuir nos próximos seis meses. Já que as expectativas são importantíssimas na economia, seria de se esperar que houvesse um expressivo índice de acerto entre a opinião da população e o índice de inflação. Quando a população acha que a inflação vai subir, ela acaba subindo mesmo, especula-se.

Fiz uma avaliação, de 2002 a 2013, para verificar se essa associação realmente existe. Pois bem, a sacrossanta opinião pública, muitas vezes entendida como um “coletivo de Deus”, nos doze anos considerados, “sempre” achou que a inflação iria subir nos próximos seis meses. E ela caiu, em comparação com o ano anterior, em 2003, 2004, 2005, 2009 e 2012.

Esse massacre estatístico ao qual é submetido o entrevistado – que é considerado quase onisciente no caso da “imposição da problemática” ou o Oráculo de Delfos, no caso de aferição de expectativas – muitas vezes confunde mais do que explica. Procurar na sociedade um conhecimento que ela não possui pode ser interessante para matérias jornalísticas, mas nos deixam cada vez mais longe da compreensão da realidade.

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