Reformando e deformando

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30 de março de 2021
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30 de março de 2021

Reformando e deformando

O resultado das votações – primeiro turno na Câmara Federal – da emenda à Constituição da reforma política ficou longe de empolgar analistas e a opinião pública mais esclarecida. Depois de mais de 30 anos discutindo como aperfeiçoar nosso sistema político, um sem número de seminários realizados Brasil afora, audiências públicas, livros editados, milhares de entrevistas, artigos e reportagens sobre o tema, as mudanças propostas ficaram muito aquém da expectativa que a celeuma criou.

Na verdade, os deputados foram chamados a votar num contexto de crise política, dificuldades econômicas e em meio a uma agenda particularmente complicada (CPIs, ajuste fiscal etc). E atuaram de forma a não alimentar a turbulência, evitando medidas mais polêmicas e arriscadas. Depois de rios de tinta serem gastos sobre as vantagens do voto distrital puro, misto e “distritão”, o sistema eleitoral, talvez o ponto mais criticado de nossa estrutura política, foi mantido intacto. O fim das coligações proporcionais, uma quase unanimidade no plano da defesa das ideias, foi rejeitado.

A julgar por essa primeira rodada de votações, o voto continuará sendo obrigatório, embora, segundo pesquisa do Datafolha de junho de 2015, um contingente de 67% dos brasileiros seja contra a obrigatoriedade. Felizmente, foi rejeitada a coincidência das eleições, que certamente traria uma barafunda eleitoral, capaz de transformar os pleitos numa tentativa insana de tentar entender o que estaria acontecendo, simultaneamente, nos âmbitos federal, estadual e municipal.

A cláusula de desempenho, do jeito que foi aprovada, é uma homenagem à falta de desempenho. Qualquer partido que eleja, no mínimo, um deputado ou um senador, terá acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de TV. Com uma Câmara Federal que comporta 513 deputados e eleições nas quais o personalismo impera, não é fora de propósito supor que o número de partidos ativos continuará excessivo. Talvez um limite mais rígido pudesse trazer resultados melhores.

Dois pontos criaram mais polêmica. O primeiro deles, o fim da reeleição. Hoje, prefeitos, governadores e presidente da República podem se reeleger para um novo mandato. A proposta aprovada acaba com a reeleição. E vem acompanhada por uma alteração na duração dos mandatos, que teriam o acréscimo de um ano para todos os cargos eletivos e diminuiria três anos no caso dos senadores. Não será fácil essa medida ser aprovada no Senado.

Na questão do financiamento, os deputados aprovaram a inclusão na Constituição do financiamento de empresas a partidos políticos e doações de pessoas físicas para candidatos. Se esse sistema realmente vingar, as estruturas partidárias ganharão uma maior relevância no financiamento das campanhas. Não temos, entretanto, tradição cultural de financiamento de pessoas físicas aos candidatos.

O que saiu da primeira votação da Câmara foi um conjunto de sugestões cujo impacto na vida política deve ser bastante modesto. Não há relevantes aspectos estruturais que, ao longo do tempo, poderiam gerar um aperfeiçoamento institucional digno de nota. Democracia sem partidos fortes não existe – e perdeu-se uma bela oportunidade de estimular o fortalecimento das agremiações, o que seria possível mudando o sistema eleitoral, acabando com as coligações proporcionais e criando uma cláusula de desempenho mais rigorosa.

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